Tempus Fugit
Diário contemporâneo
terça-feira, fevereiro 27, 2007
Entrevista a Ana Luísa Amaral
Professora na Faculdade de Letras da Universidade do Porto e poeta, Ana Luísa Amaral foi recentemente distinguida com o importante prémio literário Correntes d Escritas. Foi o seu mais recente livro "A Génese do Amor", nono na sua carreira poética, que já conta mais de uma década, que lhe deu o galardão. Aqui, a poeta apodera-se da voz dos grandes poetas e das suas musas.
Em "A Génese do Amor", a Ana Luísa Amaral apodera-se da voz dos poetas. Os outros escritores inspiram-na?
Não só os outros escritores, mas todas as coisas à minha volta. Por exemplo, o poema "Reais Ausências", que está no livro "Coisas de Partir", nunca teria sido escrito se eu não tivesse dado a cadeira de Cultura Inglesa. Não leio os outros escritores para escrever. Eu leio porque preciso de ler, não sou capaz de passar sem isso. E não tem de ser literatura canónica. Se me perguntarem o que tenho na mesa-de-cabeceira, digo que agora não tenho nenhum escritor canónico. Tenho policiais, por exemplo. Pedir palavras emprestadas aos outros faz parte do mundo em que vivemos. Depois, a maneira como as montamos é que pode ser mais individual, mais própria, mais "original". Não tenho a angústia de ser influenciada pelos outros.
sábado, fevereiro 24, 2007
1000 + 1000
sexta-feira, fevereiro 23, 2007
Visitante nº 1000
quarta-feira, fevereiro 21, 2007
Pesadelos na Quinta Dimensão
segunda-feira, fevereiro 19, 2007
"Dança (a Três Tempos)"
sexta-feira, fevereiro 16, 2007
Um Blues Nem Sempre é Triste
quinta-feira, fevereiro 08, 2007
Natércia fala a Catarina
Nunca eu por inteiro,
embora a meio,
assim me és:
tu, corpo, de verdade,
eu, na verdade:
nada
Musa, se o for sequer,
ou coisa amada
que se deseja em verso,
mas não morre
Desejo a morte
que tu podes ter,
porque podes ser carne
e sangue, e pele
Eu sou só essa
que sonhou aquele
que entre sonhos
e versos
me sonhou
Reúne-te comigo,
minha amiga,
minha metade
que desejo inteira
E ao teres o dom da fala,
diz-lhe a ele
que eu anseio por ser
o que tu és
Sem desejar ser tu:
inominada
quarta-feira, fevereiro 07, 2007
Topografias em quase dicionário
No livro "A Génese do Amor", Ana Luísa Amaral evoca alguns dos poetas que melhor falaram do amor e as suas "musas".
O livro abre, em jeito de introdução, com "Topografias em quase dicionário" (o poema é grande, mas publico-o na íntegra porque não o consigo cortar...):
I. Reaprender o mundo
em prisma novo:
pequena bátega de sol a resolver-se
em cisne,
sereia harmonizando o universo
Só o vento sucumbe
à demais luz,
e só o vento,
como alaúde azul,
repete devagar os mesmos sons:
Não interessa onde estou,
não me faz falta um mapa
de viagem
II. Os teus dedos traçaram
ligeiríssima rota no meu corpo
e a curva topográfica
sem tempo
aí ficou, como sorriso, ou foz
de um rio sem nome
Não interessa onde estou:
esta linha de abetos ou pinheiros
que em declive se estende, branda,
leve, e se debruça em mar,
pode ser tudo
Pode mesmo ir buscar o cisne
ao verso acima
e colocá-lo aqui, sobre este verso,
agora,
ou desorganizar um terço
da sereia e transformá-la
em ilha resumida
de uma paz qualquer
III. Não interessa onde
estou
Diz-se que os gregos
tinham cinco formas para falar
de amor.
Nós temos uma só, onde não cabe
o quase paradoxo
de que amor é tudo o que dele sabemos.
Nada mais
Era bom ter no verso
as formas todas, essas palavras todas
sempre à mão: pequeno dicionário
que soubesse de paisagens
de dentro
Como te sinto eu? Que cores
no meu gostar? Quantas
molduras?
Não resistir ao tempo
IV. Não sei se os gregos tinham várias
formas para falar da morte,
nem mesmo sei se o amor
foi buscar alguma dessas formas
para se definir
Há literatura que fala do que está
a montante do amor,
mas não lhe está — eros, tanatos,
a sua ligação, o seu estarentre-
estar
Mas tudo o que se sabe
repete-se em trajecto de sereia,
enigma de sereia
transmutada em cisne
V. Diz-se que só na morte
o cisne canta.
Mas é preciso organizar o vento
de forma a que o seu passo
seja mais que azul
Peço ao vento algum som,
alguma imagem
que seja tão brilhante e deslumbrada
como estas que aqui estão
à minha frente
Mas não responde o vento,
implausível que é o seu
falar
VI. A rota que traçaste permanece,
embora, e o corpo
reconhece-lhe o toque
desses dedos
Onde fica o que está descrito
em verso
no meio de tudo isto?
Onde se escondem as palavras
todas?
Sei que preciso de uma forma nova,
que precisava de palavra nova
para a moldura, ou cor
VII. Era essa aprendizagem
de um olhar
que me faltava agora
— sobra somente o sol
iluminando o sítio onde é inútil
o mapa de viagem
Tudo o resto: inventado
há mais de três mil anos,
por entre templos, degraus onde, sentados:
discípulos de ausente obediência
Recorro ao alaúde,
— mas só o verso fala
e me responde
VIII. Traços rimados, círculos
em fogo, fragmentos inundando
as palavras já escritas
Colo nelas o selo deste mar
e sonho que são estas as palavras.
Nesta manhã de sol,
olho-as assim,
sabendo-as de algum tempo,
quase templos sagrados em que pinto
o dia a cores,
que nem herdadas de mil gerações
Numa tradição nula de viagem,
são o único ponto
a resistir
Tudo o resto: invenção
mais que plasmada,
multiplicados séculos
por cem
Mais de quatro mil anos
sobre o tempo novo,
e nada novo abaixo
deste sol
IX. Talvez só este
abismo.
Interrompo no mapa
o precipício?
No traço dos teus dedos,
rota onde quase cabem: sereia,
o alaúde, o tempo,
nessa rota
— o suspendo