quinta-feira, fevereiro 08, 2007

Natércia fala a Catarina

Conta-se que Luís de Camões de apaixonou por Catarina de Ataíde. Nos poemas que esta lhe inspirou, aparece com o nome de musa - Natércia (anagrama de Catarina, porque Catarina, na altura, escrevia-se "Caterina"). Neste poema, Ana Luísa Amaral põe a musa a confrontar a mulher de verdade. Um interessante diálogo sobre a vontade de possuir uma identidade própria, de se ser "por inteiro".

Nunca eu por inteiro,
embora a meio,
assim me és:

tu, corpo, de verdade,
eu, na verdade:

nada

Musa, se o for sequer,
ou coisa amada
que se deseja em verso,
mas não morre

Desejo a morte
que tu podes ter,
porque podes ser carne
e sangue, e pele

Eu sou só essa
que sonhou aquele
que entre sonhos
e versos
me sonhou

Reúne-te comigo,
minha amiga,
minha metade
que desejo inteira

E ao teres o dom da fala,
diz-lhe a ele
que eu anseio por ser
o que tu és

Sem desejar ser tu:
inominada