quinta-feira, novembro 30, 2006

"Feliz Aquele que Penetra a Causa Secreta das Coisas"

curvo o pensamento
a beleza do mundo pesa-me nos ombros
e trago os olhos mudos
de tanto pensar que penso













(pintura: Priscila Fernandes; poema: Ana Caeiro)

terça-feira, novembro 28, 2006

Here comes the sun

Para pensar em dias menos chuvosos...

Ainda Langston Hughes

Ouvir o poeta explicar e recitar The Negro Speaks of Rivers

O Negro Fala dos Rios
Eu conheci os rios:
Conheci rios tão antigos como o mundo e mais velhos do que o sangue nas veias humanas.


A minha alma cresceu tão profunda como os rios.
Tomei banho no Eufrates quando as madrugadas eram jovens.
Construí a minha cabana junto ao Congo, onde me embalei até adormecer.
Olhei para o Nilo e sobre ele criei as pirâmides.
Ouvi o canto do Mississipi quando Abe Lincoln o navegou até Nova Orleães e vi o seu curso enlameado transformar-se em ouro no pôr-do-sol.

Eu conheci os rios:
Rios antigos e sombrios.

A minha alma cresceu tão profunda como os rios.



The Negro Speaks of Rivers
I've known rivers:
I've known rivers ancient as the world and older than the flow of human blood in human veins.

My soul has grown deep like the rivers.
I bathed in the Euphrates when dawns were young.

I built my hut near the Congo and it lulled me to sleep.
I looked upon the Nile and raised the pyramids above it.
I heard the singing of the Mississippi when Abe Lincoln went down to New Orleans, and I've seen its muddy bosom turn all golden in the sunset.

I've known rivers:
Ancient, dusky rivers.

My soul has grown deep like the rivers.

(1921)

domingo, novembro 26, 2006

Mário Cesariny: Autografia

Vi há algum tempo o documentário "Autografia", de Miguel Gonçalves Mendes, sobre Mário Cesariny. O filme impressionou-me. O realizador consegue aproximar-se do poeta de uma forma extraordinária. Fá-lo falar da arte, do amor, do sexo.
Pergunta-lhe por que deixou de escrever. Ele responde: "Escrever porquê, para quem?". Todos os amigos morreram. "E eu estou para aqui, mas eu sou um fantasma, sabes? Já sou um fantasma de mim mesmo, julgas que eu leio os meus poemas? Nunca!"
Pergunta-lhe se encontrou o amor da sua vida. "Acho que encontrei. (...) Tenho um problema, eu tenho um poema dele, que ele me mandava na tal carta que a Pide apanhou e que é um belo poema de amor por mim!... E eu não sei o que hei-de fazer daquilo. A última vez que falámos - nunca mais nos vimos - eu disse: 'Eu tenho aquele poema e não to dou, porque sei que o rasgas. Mas eu não o rasgo e tenho aquilo lá em casa. E ou publico ou não publico. Se não publico, aquilo está lá e alguém publicará, suponho. O que é que tu achas disto?'. E ele não disse nem sim nem não. Não disse nada. E agora?".
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(Excerto de "Verso de Autografia", a partir das entrevistas para o documentário)

"Não há morte, mas é preciso morrer" *

* António Maria Lisboa
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Hoje acordei com o telemóvel a trazer-me o lamento de uma amiga:
"Morreu esta madrugada o amigo Cesariny".
(9 de Agosto de 1923 - 26 de Novembro de 2006)

sábado, novembro 25, 2006

Dias de tempestade II

Mas ninguém canta "Stormy Weather" como a Billie...

Dias de tempestade


Lena Horne interpreta "Stormy Weather" no filme com o mesmo nome de Andrew L. Stone, de 1943.

quinta-feira, novembro 23, 2006

100 Beckett



















Comemoração do centenário de Samuel Beckett, hoje e amanhã na Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Para mais informações, clicar aqui.

quarta-feira, novembro 22, 2006

Viagem a Kafiristan



Em 1939, pouco antes de começar a II Guerra Mundial, Annemarie Schwarzenbach e Ella Maillart empreenderam uma arrojada viagem de automóvel pela Turquia e pelo Afeganistão. "Die Reise nach Kafiristan" (2001), um filme de Fosco e Donatello Dubini, relata essa viagem. Aqui fica o trailer.

sábado, novembro 18, 2006

O elogio da tristeza II

MORTE NA PÉRSIA (Annemarie Schwarzenbach, 1936)

Advertência preliminar

Este livro irá trazer poucas alegrias ao leitor. Não proporcionará sequer o consolo e o ânimo que os livros tristes frequentemente inspiram, contrariando assim a opinião generalizada de que os sofrimentos, suportados devidamente, reconfortam pela força moral que lhes está implícita. Diz-se, inclusivamente, que a própria morte pode ser edificante. Mas tenho de confessar que me falta fé para acreditar nisso, pois como se há-de ignorar o sabor amargo que nos deixa? Demasiado ininteligível, demasiado desumano é o seu poder… E só o deixa de ser se a aguardarmos como o único e irrevogável caminho que nos é concedido para abandonarmos as nossas errâncias.
Na verdade, este livro trata de errâncias e o seu tema é a ausência da esperança. Apesar de um escritor não ter outro propósito senão despertar o interesse dos seus leitores, neste caso esse mesmo propósito será inalcançável: pois só podemos esperar compaixão e compreensão se os nossos fracassos forem explicáveis, as nossas derrotas resultantes de uma luta valorosa e o nosso sofrimento consequência de tais causas racionais. Se bem que nalguns momentos somos felizes sem razão, não devemos, sob nenhum pretexto, ser infelizes sem razão. E nos duros tempos que correm, cada um deveria poder eleger facilmente um inimigo e um destino à medida das suas forças. A protagonista deste pequeno livro, contudo, é tão pouco protagonista que nem sequer consegue nomear o seu inimigo; e é tão débil que, ao que parece, rende-se antes da sua derrota sem glória estar concluída.

Mas isso não é o pior. Menos ainda perdoará o leitor que em nenhuma parte se mencionem de forma inequívoca os motivos pelos quais um ser humano se deixa arrastar até à Pérsia, país distante e exótico, para lá sucumbir a tentações inomináveis.

(Tradução feita a partir da versão espanhola "Muerte en Persia", Editorial Minúscula, Barcelona)

A. Schwarzenbach: O elogio da tristeza

Escritora, jornalista, fotógrafa, arqueóloga e viajante, Annemarie Schwarzenbach viveu na vanguarda do espírito do seu tempo. Nascida na Suíça em 1908, teve uma vida curta (morreu aos 34 anos) mas absolutamente intensa. Neo-romântica no sentir e nas vivências, procurou nos desertos do Próximo Oriente, nas selvas africanas e nas grandes cidades americanas e europeias a catarse para o seu desconforto. No passado dia 15, assinalaram-se os 64 anos da sua morte. Infelizmente, continua a ser uma autora muito pouco traduzida (a maior parte das suas obras só se encontram em alemão ou francês). Em português, está traduzido apenas "Novela Lírica" ("Lyrische Novelle"), pela Granito Editores. Consegui encontrar uma tradução espanhola de "Morte da Pérsia" ("Tod in Persien"), considerada uma das suas melhores obras. No próximo post, publico um excerto do início deste livro.

segunda-feira, novembro 13, 2006

Start spreading the news...

O ano passado por esta altura, já conhecia Nova Iorque.

sexta-feira, novembro 10, 2006

Ennui - tédio, inércia, niilismo, náusea

Mais um poema de Langston Hughes. Aceito e agradeço outras sugestões de tradução. A minha versão é esta:

Ennui
É muito
Aborrecido
Ser sempre
Mendigo

Ennui
It's such a
Bore
Being always
Poor

quarta-feira, novembro 08, 2006

Cat Power, Cinema Batalha, 5 de Dezembro












Clicar para ver "The Greatest" ao vivo

Para quem gosta de poesia norte-americana

Este é o livro de onde tenho tirado os poemas de Hughes. Aconselho vivamente.















"The New Anthology Of American Poetry: Modernisms: 1900-1950"

A negritude em Langston Hughes II

Negro
Sou um Negro:
Escuro como a noite,
Escuro como as profundezas da minha África.

Tenho sido um escravo:
César mandou-me limpar os degraus da sua porta.
Escovei as botas de George Washington.

Tenho sido um trabalhador:
Sob as minhas mãos ergueram-se as pirâmides.
Fiz argamassa para o Woolworth Building.

Tenho sido um cantor:
Entre África e a Geórgia
Carreguei as minhas canções de lamento.
Fiz “ragtime”.

Tenho sido uma vítima:
Os belgas cortam-me as mãos no Congo.
Continuam a linchar-me no Mississipi.

Sou um Negro:
Escuro como a noite,
Escuro como as profundezas da minha África.


Negro
I am a Negro:
Black as the night is black,
Black like the depths of my Africa.

I’ve been a slave:
Caesar told me to keep his door-steps clean.
I brushed the boots of Washington.

I’ve been a worker:
Under my hand the pyramids arose.
I made the mortar for the Woolworth Building.

I’ve been a singer:
All the way from Africa to Georgia
I carried my sorrow songs.
I made ragtime.

I’ve been a victim:
The Belgians cut off my hands in the Congo.
They lynch me still in Mississippi.

I am a Negro:
Black as the night is black.
Black like the depths of my Africa.

(1922)

domingo, novembro 05, 2006

Auto-retrato















"É triste no Outono concluir
que era o Verão a única estação"

« »

Quanto mais vivo, menos sobrevivo
disse-me ontem um amigo.

sábado, novembro 04, 2006

A voz subterrânea da América

Penso que é a primeira vez que se edita em Portugal de "The Subterraneans", romance escrito em 1958 por um dos mais apaixonantes nomes da beat generation - Jack Kerouac. Estou ansiosa por tê-lo nas mãos e mergulhar no universo americano dos anos 50 - do jazz, da boémia, dos artistas e dos marginais, dos encontros e desencontros, da vida vivida no limite, na plenitude do sonho e da realidade.

"A verdade é que escrever Os Subterrâneos em três noites foi uma proeza fantástica, tanto em termos atléticos como mentais, devia ter-me visto logo após ter terminado... Fiquei pálido que nem um lençol, perdi quase sete quilos e ao espelho tinha uma tez cor de laranja." (Jack Kerouac)

sexta-feira, novembro 03, 2006

A negritude em Langston Hughes

As questões da identidade e da libertação do negro norte-americano e da criação de uma voz própria são características fortes da poesia de Langston Hughes. Um dos exemplos é "Eu também canto a América", de 1925.


Eu também canto a América
Eu também canto a América.

Eu sou o irmão negro.
Eles mandam-me ir comer para a cozinha
Quando alguém chega.
Mas eu rio-me
E como bem
E cresço forte.

Amanhã,
Quando alguém chegar,
Comerei à mesa.
Nessa altura
Ninguém se atreverá a dizer-me
"Vai comer para a cozinha".

Além disso,
Verão como sou belo
E terão vergonha.

Eu também sou a América.


I, Too, Sing America
I, too, sing America.

I am the darker brother.
They send me to eat in the kitchen
When company comes,
But I laugh,
And eat well,
And grow strong.

Tomorrow,
I'll be at the table
When company comes.
Nobody'll dare
Say to me
"Eat in the kitchen",
Then.

Besides,
They'll see how beautiful I am
And be ashamed -

I, too, am America.

Na Gare do Oriente

quinta-feira, novembro 02, 2006

Amália na Broadway

A paixão de Langston Hughes II

Tentei durante vários meses, com a ajuda de amigos, passar este poema de Langston Hughes para português. Esta parece-me a versão mais correcta. Obrigada a todos. A versão final é da Andreia M. P.

Desejo
O desejo para nós
Foi como uma morte dupla
Veloz perecer
Da nossa respiração confusa,
A evaporação rápida
De um perfume estranho e desconhecido
Entre nós
Num quarto
Despido

Desire
Desire to us
Was like a double death,
Swift dying
Of our mingled breath,
Evaporation
Of an unknown strange perfume
Between us quickly
In a naked

Room